sexta-feira, 4 de janeiro de 2013


Um Rito em formação



Sim, o Rito ainda não se consolidou tanto em aspectos ritualísticos, de moda especial, como em aspectos doutrinários, de modo geral. Sem perceber, vamos nós desta geração pós‐Candinho (Cândido Ferreira de Almeida, o Grande Primaz que antecedeu a Nei Inocêncio), vamos nós realizando uma história espontânea, em que completamos e, de certo modo, modificamos, atualizando, a doutrina monumental construída por Álvaro Palmeira.

Coube a Álvaro Palmeira o papel de ter reformulado a doutrina do Rito em 1968, destarte, e por outras providências, passando à história como o reimplantador vitorioso. Dr. Álvaro instituiu a doutrina atual ao escrever, naquele 1967/1968, todos os rituais do Rito, ademais de sua Constituição, Regulamento e tantos outros documentos que ainda aguardam estudos mais profundos e divulgação. Um monumento doutrinal completo. Porém, pela própria dinâmica da cultura brasileira, o Rito vem sofrendo transformações, não só em sua ritualística propriamente dita, mas, de modo mais significativo, em seus fundamentos doutrinários.

A própria Palmeira, em 1968, trazia‐nos coisas novas. Nada, após Palmeira, pode se comparar aos velhos temas pioneiramente abordados por José Firmo Xavier em Pernambuco no século passado. Nenhuma semelhança doutrinária – só o nome: Rito Brasileiro. José Firmo, na realidade, assumira idéias que não poderiam prosperar, haja vista a dedicação (ao Papa e ao Imperador), a vitaliciedade da chefia instituída por Firmo o seu próprio favor, a exclusiva filiação de brasileiros – fator este que, cá entre nós, é também ferido por quem envereda pelo conceito de um rito patriótico (este um atributo, patriotismo, que, sem muita reflexão, ainda hoje, pretendem conferir ao Rito – parece‐me um erro).

ÓBICES À EXPANSÃO
Embora a ausência de documentos comprobatórios, o dito patriotismo teria sido também, um dos óbices à época de 1914, quando o Rito foi instituído no GOB por Lauro Sodré e seus companheiros. Tirava‐nos a necessária universidade, impedindo a expansão. Bem verdades, como em parte ao Rito de Firmo Xavier, na criação de Lauro Sodré faltavam outros elementos. Por exemplos: rituais (que permitissem a prática regular e uniforme do Rito), um estatuto ou constituição (que lhe fixasse os elementos doutrinários fundamentais) e uma Oficina Chefe, hoje o Supremo Conclave (que zelasse pelos arcanos do Rito). Não importa que, em documentos iniciais (assim no Decreto nº 500, de Lauro Sodré, 23 de Dezembro de 1914, e na Resolução determinada pelo Decreto nº 554, de Veríssimo da Costa, 13 de junho de 1917) haja referências a uma Constituição do Rito que conteria declaração de princípios, estatutos, regulamentos, rituais e demais institutos – isso parece não ser fidedigno. 

Tudo indica que se mencionava o que de fato não existia ainda ou, se existisse, não teria a necessária divulgação. Em 1940, Otaviano Bastos e seus companheiros, entre eles Palmeira, tentariam corrigir estas deficiências, instituindo a Oficina Chefe, solenemente instalando o Supremo Conclave do Brasil a 17 de fevereiro de 1941, conforme Ato de nº 1671, do Grão‐Mestre Rodrigues Neves, de 3 agosto de 1940 (nomeando sete Irmãos para formarem o núcleo inicial), complementado pelo Ato de nº 1636, de 6 de fevereiro de 1941, do mesmo Grão‐Mestre, designando comissão regularizadora. Este Conclave adormeceria logo a seguir. Voltaria apenas em 1968, reavivando por Palmeira, já Grão‐Mestre, pelo célebre Decreto nº 2080, de 19 de março daquele ano.

Em 1940 seria divulgada uma Constituição, cuja existência Otaviano Bastos diria ser de 1914. Viriam, também (1940), os primeiros esboços de rituais. E tudo ali, em 1940, era patriótico: a aclamação (Ciência, Razão, Brasil), a palavra de passe (Brasil), a decoração verde‐amarelo dos templos (paredes, altares, dossel), a
exigência de “ser de preferência brasileira”. 

Em grandes linhas a decoração patriótica, inclusive dos aventais, é mantida até hoje (1999) por nossos Irmãos sob jurisdição do Supremo Conclave Autônomo – sede em Cataguases, Minas Gerais, onde foi instalado, na Loja Labor e Civismo a 10 de fevereiro de 1974, e se desenvolveu sob a liderança do professor Lysis Brandão da Rocha, um dos vultos maçônicos que mais prezo e admiro pelas lições pessoais extraordinárias que me transmitiu. Presto Homenagem. Pois bem, Palmeira conhecia esses óbices. Tanto que, no mencionado Decreto 2.080/68, seria explícito em afirmar o fracasso dos movimentos anteriores a 1968, atribuindo‐o a “falta de Rituais completos e ausência de governos no Filosofismo do Rito” (sic), bem como à falta da necessária universidade. Segundo o Decreto, caberia ao Supremo Conclave, então reimplantado, a missão de colocar o Rito “rigorosamente acorde às exigências maçônicas de Regularidade internacional, fazê‐lo de âmbito universal, separar o Simbolismo do Filosofismo (sic) e constituí‐lo em real veículo de renovação da Ordem, conciliando a Tradição com a Evolução.”

O APELO DE UM SÉCULO
Todos conhecem o dito Apelo de um Século – lançado em 1864 por Antônio Miguel Dias, sob o pseudônimo de “um Cavaleiro Rosa‐Cruz”, em sua obra clássica Biblioteca Maçônica ou instrução Completa do Franco‐Maçom, só seria atendido (segundo Palmeira) apenas em 1968 com a reimplantação do Rito Brasileiro – o Apelo pedido por “um Rito novo e independente (grifos do próprio autor) que, tendo por base os Graus Simbólicos e comuns a todos os Ritos, tenha, contudo os altos Graus Misteriosos diferentes e nacionais.” Constitui‐se na idéia fundamental do Rito Brasileiro. Palmeira, sem dúvida amenizando a idéia de patriotismo (que pode ser encontrada no Apelo), explicaria com clareza que o autor, “Quando se referiu aos Altos Graus ‘diferentes e nacionais’, não estava, evidentemente, pretendendo criar uma Maçonaria nacional, o que seria uma negação da Ordem Universal, tanto que encareceu fossem os Graus Simbólicos do novo Rito comuns a todos os Ritos. E é nesse ponto precisamente que se resguarda a unidade doutrinária da Ordem.” 

Presente a idéia de o Rito Brasileiro ser o rito dos brasileiros, não por questões patrióticas, ou de ufanismo, mas sim pelo aspecto prático de permitir que os brasileiros tenham o nosso próprio rito, praticando Maçonaria segundo a nossa própria maneira ou cultura.

Sim, a palavra chave não é patriotismo, é cultura – a grosso conceito, o modo como cada povo resolve as suas necessidades mais essenciais – como conversa, prepara seus alimentos, veste‐se, ama, honra a Deus, educa os filhos, relaciona‐se com seu próximo. O jeitão do brasileiro, o nosso modo de fazer maçonaria.

Trata‐se de cultura brasileira. O Rito, sendo nosso e apenas nosso, não depende da opinião ou de valores que nos sejam trazidos do exterior. Podemos adotá‐los (opiniões e valores), mas não compulsoriamente. Palmeira dá a chave: “conciliar Tradição e Evolução.” Nesta geração podemos dizer: conciliar o Universal ai Nacional. Ou na própria palavra de Palmeira: “... manter fidelidade à universal Tradição maçônica do Simbolismo, mas os Altos Graus serem formulados sob a influência do meio histórico e geográfico da Pátria em que se vive, sob a sua índole, inspiração e pendores.”

A COR DO RITO

Este um bom tema para exemplo da tese, segundo a qual, conforme a cultura brasileira, esta geração vai modificar a doutrina. O Rito era verde‐amarelo, patriótico. Assim documentos que nos foram deixados por Otaviano Bastos e a reminiscência sustentada sob jurisdição do Supremo Conclave Autônomo. Contudo pensamos, pensamos e, de repente, sem que tenha havido nada de intencional, passamos a discutir no Supremo Conclave, qual seria a Cor do Rito. E veio a idéia: é violeta.

Sustentada por inumeráveis razões e justificativas de ordem mística ou simbólica, não cabe aqui discutir. O certo é que realizamos uma aspiração nossa, de nossa própria gente. Soberanamente discutindo o assunto no Supremo Conclave do Brasil, concluímos por dizer: a Cor do Rito é violeta. E não houve razões patrióticas. Predominou apenas a jeitão brasileiro. Nosso fervor místico, nosso romantismo, sabe lá. Predominou o misticismo. Outros Ritos por certo não poderiam fazer adoção tão radical, eis submetido a fatores históricos e organismos inteiramente exteriores, sem qualquer possibilidade de serem influenciados pela cultura brasileira. Haja vista, por exemplo, a interessante discussão em torno da cor com que devem ser decorados os templos do Rito Escocês Antigo Livre e Aceito. E da cor violeta – Cor do Rito – viria a adoção do uso da gravata colorida. 

Ainda indefinida: qualquer coisa em torno do vermelho. É difícil um padrão violeta, O violeta puro não deu um esperado gosto estético para cor de gravata. São muitos os problemas, mas vamos nós orgulhosamente ostentando as novas gravatas do Rito, reforçando o espírito de corpo (ou de porco, diriam críticos contundentes, que sempre existem).

Perceber que, na realidade, ao se adotar o violeta como Cor do Rito, nesta adoção há todo um formulação doutrinária, infinita na medida em que são infinitas as interpretações simbólicas quanto a esta cor.

CONFLITOS A CONCILIAR

Outros temas doutrinários possuíram, gerando modificações paulatinas, quase imperceptíveis da doutrina. Por exemplo, esse tópico, misticismo. Pouco discutido, ainda.

O Rito é teísta. Assim a definição inicial imposta por Palmeira nos documentos que redigiu em 1967/68: rituais, Constituição, Regulamento do Rito, outros. Em 1992, a Convenção Nacional realizada no Rio de Janeiro discutiu e aprovou quase por unanimidade: o Rito é Teísta. Houve votos contrários.

Dignamente entendiam que a relação do homem com Deus é assunto íntimo, não devemos integrar o quatro das confissões obrigatórias que um Obreiro deve fazer para filiar‐se a determinado corpo maçônico. Tudo bem. O certo é que confirmamos esta geração: o Rito é teísta. Significa: afirmação da existência de Deus, da possibilidade de Deus revelar‐se (Revelação Divina), de Deus interferir em nossas vidas (Providência Divina).

Teístas. Cabe‐nos assim combater a superstição. Contudo há elementos delicados que se aproximam quase sem serem notadas, às vezes constituindo‐se em grosseira superstição, ou idolatria, às vezes legítima manifestação de forças místicas interiores. Um tema difícil, entregue aos cuidados dessa nossa geração: conciliar a Razão com a Fé.

UM EXEMPLO, MUITO DELICADO:
O RITUAL DO GRAU33

Dr. Palmeira, em 1968, dando estrutura ao Rito escreveu todos os nossos rituais, simbólicos e filosóficos. Menos o do Grau 33, deixando‐nos cópia servil do adotado no Rito Escocês Antigo e Aceita aqui no Brasil. Pois bem, valendo outra vez as aspirações mais legítimas, procurou‐se, no Supremo Conclave, adotar ritual próprio. E um novo ritual foi aprovado e vem sendo praticado nesta década de 90. De conteúdo fortemente místico, tem merecido críticas leais, embora adesão sem restrições e muito satisfatórias. Vamos vivendo. Uma fase nova, plena de elementos que nós mesmos adotamos sem dever explicações a nenhum órgão estrangeiro, sem esquecer, contudo, que devemos conciliar a Razão com a Fé. Devagar, sem conflitos. O exato ponto de equilíbrio. O modo brasileiro de um homem relacionar‐se a Deus.

O QUE SIMÕES TEM A VER COM TUDO ISSO

Pensará o leitor que me esqueci do Posfácio. Nada disso. Tudo aqui foi escrito para dizer: Simões é “um fazedor de idéias”. Normalmente anda à frente e – não tenho constrangimento na confissão pública – é um dos Irmãos que me põem a pensar e, mesmo contrariado de início, no fim acabo concordando com o Simões, tal a profundidade e correção de seu pensamento. Cabe registro histórico. Coube ao Simões a idéia original de adotar a Cor do Rito: Violeta. Mais: o Simões preparou e teve aprovado no Supremo Conclave o Ritual do Grau 33 que hoje (1999) praticamos. Por isso, à guisa de posfácio, foi feito um registro histórico.

Esse é o Autor que Você, amigo/Irmão leitor, acabou de apreciar. Cogite‐o com cuidado. Procure nas linhas lidas uma reflexão mais profunda. Não é muito fácil entendê‐lo de início, mas é um deleite encontrar as verdades que revela Congratulo‐me com o Leitor, Pelo presente que recebemos.

Para terminar, uma grata missão. O Soberano Grande Primaz do Rito, nosso Irmão Nei Inocêncio dos Santos, uma figura extraordinária de amor à Ordem, devoção ao Rito, capacidade de trabalho, muito chegado ao Simões, pediu‐me cumprisse o dever de agradecer e cumprimentar o autor e os editores em nome do Supremo Conclave do Brasil, o que faço com muita honra e grande alegria. Aceitem estes elevados cumprimentos, com votos de prosperidade. O escritor: as duras horas de trabalho, suprimidas do descanso merecido a quem tanto já fez por nossa Ordem. Obrigado. Os editores, pela confiança no Rito Brasileiro que vai crescendo, pregando a pluralidade de ritos e pugnando pelo crescimento dos demais ritos e corpos maçônicos, mas que ainda sofre a incompreensão de alguns círculos, cada vez mais reduzidos, bem se diga. Estão de parabéns os editores. Sabemos que este livro vai motivar como disse Palmeira (O Apelo..., op. Cit., idem):

“Que se formem, por toda a parte, URBI ET ORBI, “Lojas do Rito Brasileiro, para que a Ordem Renovada possa enfrentar, com êxito, o fascinante desafio dos tempos Novos.” 

Por isso, obrigado!

Que a Paz e a Graça de Deus, o Supremo Arquiteto do Universo estejam em todos os corações.

Felicidades!


Vila Isabel, Rio de Janeiro, janeiro de 1999.


Fernando de Faria
Grande Instrutor do Rito Brasileiro

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